Pampulha e IAB MG, jovens de oitenta anos

Pampulha e IAB MG, jovens de oitenta anos

 

80 anos de construção do Conjunto Moderno da Pampulha, 80 anos do Departamento Minas Gerais do Instituto de Arquitetos do Brasil: não acredito em coincidências, mas, sim, em sincronicidades.

Belo Horizonte nascera para ser moderna. Criada, em 1897, para substituir a velha Ouro Preto como capital do estado de Minas Gerais, a cidade incorporava todas as modernidades da ciência e do Urbanismo que, orgulhosamente, se apresentava como novo campo científico sistematizado. O sonho da modernidade se concretizava nas ruas largas e retas projetadas por Aarão Reis, inspirada na Paris haussmaniana. A cidade do futuro tinha um compromisso com o tempo: estar sempre à frente dele. Não é à toa, portanto, que um jovem prefeito de uma jovem cidade de apenas quarenta anos, um tal Juscelino, também sonhasse com o futuro e, ao ver o “lindo lago do amor” criado pelo seu antecessor, vislumbrasse, como que refletido em suas águas, meio como se vê em uma bola de cristal, belos edifícios modernos apontando para o vir-a-ser. Não queria o passado, e isso estava claro quando recusou o resultado do concurso que criara para o prédio do Cassino à beira-lago, âncora de seu projeto visionário, vencido por um arquiteto conservador, com ares, digamos, neo-normandos. Saiu então à procura do que havia de mais avançado no país e encontrou outro jovem, iniciando sua carreira, um tal Oscar, que conseguiu, em tempo breve, criar um cassino que era uma surpresa de brilhos e vidrilhos, um templo que ofendeu a Igreja Católica, um clube que ora parecia navegar e ora parecia voar, uma casa que bailava ao vento. Tempo breve sim, mas para durar uma eternidade. E Pampulha revolucionou costumes da cidade progressista sim, mas só que mineiramente interiorana, que cortava ainda o pescoço do galo para o almoço e o alog de Portinari contra a ofensa da arte moderna.

Em 1920, buscávamos sair do campo para as cidades, substituir o Brasil Rural pelo Brasil urbano, a agricultura pela indústria. Procurávamos nos compreender como nação, com personalidade própria, cultura particularíssima, antropofagicamente formada, deglutindo indígenas, portugueses, africanos e quem mais chegasse, misturando tudo em fogo de alta queima. Os arquitetos fundavam, no Rio de Janeiro de 1921, o Instituto Brasileiro de Arquitetos (IBA), afinal se há cidades e edifícios a construir – ou até mesmo mais do que isso: uma sociedade e uma nação a se construir – era conosco mesmo. Em 1930 já antevíamos que uma nação moderna, o país do futuro (coincidência ou sincronicidade?), não podia mais fazer uma arquitetura neocolonial ou neo qualquer coisa, porque neo, naqueles tempos, era sinônimo de antigo, vejam só. Precisávamos consolidar a profissão para mostrar ao mundo e a nós mesmos do que éramos capazes. A novidade era tão necessária que o IBA virou IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), oba!. Em 1940, já sabíamos o caminho: ele fora aberto por Warchavchick e Lúcio Costa, seguido por uma trupe formada por um tal Oscar e outros que tais. Oscar Niemeyer e Lucio Costa viraram estrelas internacionais e Pampulha brilhou no Brazil Buildings de New York, um brazilian show. Mas embora muitos assim o que quisessem, não queríamos falar inglês, queríamos ser brasileiros e construir uma nação justa e democrática. Dizia o Oscar que o importante não é a arquitetura, mas a vida. Talvez aqueles precursores dissessem algo parecido, que o importante era o compromisso social da profissão. Talvez, não, textualmente, através das palavras de Silvio de Vasconcellos, em 1944, um ano após a fundação do primeiro departamento estadual (junto com São Paulo) do IAB, que, segundo as atas, “fez veemente apelo por uma ação mais eficiente, mais política da diretoria, a fim de se conseguir a elevação moral da nossa classe. E para isso é de grande necessidade que o Departamento se faça representar e salientar social e oficialmente em reuniões, conferências e nos meios artísticos da capital. Só assim é possível fazer com que nossos cépticos colegas compreendam e antevejam a alta finalidade do IAB, até hoje ignorada lamentavelmente pela maioria.” A mensagem era claramente dirigida ao nosso primeiro presidente, Luiz Pinto Coelho, ocupado que estava em fazer projetos, afinal tinha uma cidade novíssima para construir.
Pampulha e IAB não eram, pois, apenas arquitetura, se é que esse adjetivo pode ser aplicado a uma profissão que busca propiciar a vida, abrigar encontros e atividades, construir futuros. Arquitetura está indissociada da construção de uma sociedade e a transforma. Pampulha e o IAB estão aí para demonstrar isso. Coincidência?

Flavio Carsalade é autor do livro “Pampulha” e ex-presidente do IAB/MG

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