Arte Sacra

Arte Sacra

Sagrado e devoção como inspiração para as mais belas obras históricas e atuais

Por Camila Martucheli Fotos internet e arquivos pessoais dos artistas

O sagrado e a devoção são o mote para as mais belas artes. Assim tem sido desde o século II quando surgiram os primeiros símbolos cristãos, especialmente as primeiras imagens de Cristo, de acordo com os pesquisadores Michel Farah Valverde e Rosenilton Silva Oliveira, conforme artigo publicado por eles em 2017, na Revista Ciberteologia.
Com representações que enaltecem o divido, a arte sacra é composta por impactantes obras que se tornaram patrimônio cultural da humanidade, independente da religião. Compreendem várias manifestações artísticas, sejam pinturas, mosaicos, escultura ou até mesmo arquitetura. Fazendo um recorte do ocidente cristão como região de maior produção de arte sacra, a nível mundial destacam-se importantes obras como a escultura Pletà, de Michelangelo (1499); a tela A Última Ceia, de Leonardo da Vinci (1498); a tela Cristo Crucificado, de Diego Velázquez (1632); e uma das mais famosas obras no gênero, o teto da Capela Sistina (Vaticano, Itália), composto por afrescos – obras pictóricas feitas sobre o teto ou parede, com base de gesso ou argamassa – criados também por Michelangelo, entre 1508 e 1512.

No Brasil, também temos importantes artistas de renome internacional como Manoel da Costa Ataíde – Mestre Ataíde (1762-1830) que, entre outras obras, criou o painel Assunção da Virgem, na Igreja de São Francisco de Ouro Preto; José Joaquim da Rocha (1737-1807), importante artista da arte sacra brasileira responsável, entre outras produções, pelo teto da Igreja de Nossa Senhora da Conceição na Praia, em Salvador (BA); e o famoso Antônio Francisco Lisboa – Aleijadinho (1730-1814), conhecido pelas peças produzidas em pedra-sabão e que tem as escultura O Carregamento da Cruz e Doze Profetas, entre as mais importantes para a arte sacra brasileira e mundial.

Arte sacra e religiosidade

Foi no século IV, a partir do acordo Edito de Milão, promulgado pelo imperador Constantino e que condecorou o cristianismo como religião oficial de Roma, iniciou-se a arte sacra propriamente dita, quando os artistas puderam exaltar a então nova fé sem sofrer qualquer tipo de coerção.
Desde então, a arte sacra tem representado, enquanto manifestação artística, a religiosidade e o sagrado, sendo também o reflexo da história e da cultura de um povo, feita com o objetivo de enaltecer a própria essência humana. Como não possui um estilo definido, a arte sacra pode ser erudita, barroca ou mesmo contemporânea, contudo, não deve ser confundida com arte religiosa. Enquanto essa possui cunho religioso e suas obras podem ser admiradas em qualquer lugar fora dos rituais religiosos, aquela é feita especificamente para participar das celebrações religiosas.
Fato é que, segundo os pesquisadores, a arte sacra leva ao sobrenatural, compreendido como condição acima da contingência e a sua superação. É por isso que suas obras adquirem força simbólica e passa a participar das práticas ritualísticas. Especialmente o catolicismo adota a veneração de imagens religiosas em seus rituais, as quais costumam estar presentes nas orações feitas tanto dentro de igrejas, quanto nos lares. Isso reflete como a imagem pode representar o sagrado, tratando-se de arte sacra.
De acordo com Valverde e Oliveira, as primeiras representações da arte sacra foram de Cristo e de Maria ladeados por anjos e, posteriormente, imagens dos santos mártires. Com o passar do tempo, os artistas foram se debruçando para criar representações acerca dos mistérios da fé descritos na Bíblia, como a Ascenção e o rosto de Jesus que foi representados de diversas formas até se chegar no convencional estilo de um homem europeu, banco e de olhos azuis. Para os pesquisadores, segundo São João Damasceno, “Jesus Cristo, então, ao se fazer ser humano, torna autêntica a produção artística de imagens sacras”.
De acordo com o missionário do teólogo, filósofo e artista Anderson Augusto de Souza Pereira, a representação iconográfica da arte sacra varia com o tempo. Segundo ele, com a Reforma Litúrgica no Vaticano II e uma nova Teologia mais atenta às raízes do Cristianismo, as representações nas igrejas ficaram mais centradas em Jesus e no seu Mistério Pascal, por exemplo, do que na imagem do Padroeiro ou Padroeira da Igreja. “A centralidade está em Jesus, no Mistério Trinitário”, frisa.
Ainda segundo Anderson, a Arte Sacra é de suma importância, pois as imagens têm uma força muito grande. “Um exemplo disso é como a imagem de Deus ficou associada à pintura de Michelangelo na Capela Sistina, um homem idoso e de barbas brancas. É uma imagem muito solidificada no imaginário popular, mas extremamente ‘limitada’ no sentido de comunicar o Mistério de Deus, que não tem uma forma humana”, complementa.
Dessa forma, seja por meio de artistas ícones históricos ou através dos contemporâneos, a arte sacra continua a expressar a vida espiritual do ser humano que, ao longo do tempo, busca representar o próprio anseio pela experimentação do sagrado.

Artistas mineiros contemporâneos da arte sacra

Elias Layon

Ao longo dos séculos, artistas vêm colocando seu talento à disposição da representação do divino no que se convencionou caracterizar como arte sacra. Um desses artistas é Elias Layon, que reside e trabalha em Mariana, Mina Gerais, famosa cidade histórica que conserva incontáveis obras artísticas do gênero, grande parte tombada pelo patrimônio histórico.
As telas do artista mineiro, conforme pontua Jardel Dias Cavalcanti, “refletem cada pequeno espaço da cidade, de sua natureza, de suas luzes revelando o que eles têm de mais íntimo e sublime”. O artista tem como inspiração os casarios coloniais da cidade e a fé, assim, em sua obra coloca coar, linhas e massas pictóricas que refletem as brumas que escodem os segredos de Mariana.
Segundo o artista, a arte denominada sacra tem como fonte de inspiração os temas que se concernem às religiões, independente do credo, ou seja, qualquer uma. Para ele, de modo geral, a arte sacra representa os temas ligados, principalmente, à história de cada religião.
“A importância da arte sacra está no seu objetivo fundamental, que é a difusão da religião. Mas, para as pessoas não ligadas a qualquer tipo de religião, ela se desliga do objetivo religioso para se enquadrar apenas como admiração e contemplação artística, além do prazer pessoal do artista criador”, explica.
Para Layon, a arte sacra é de suma importância numa sociedade, no sentido de difundir a fé. Outro sentido, que independe de fé e religião, é o de levar o belo artístico a ser contemplado pelas pessoas. “Tenho obras muito gratificantes nas principais igrejas de Ouro Preto – imagem de São Pedro no altar da Igreja do Pilar – e de Mariana – Cristo Crucificado na Igreja de Nossa Senhora do Carmo”, revela o artista.
Ele ainda tem obras publicadas em diversos livros e publicações, além de estarem expostas em acervos importantes no Vaticano, Museu de Arte de São Paulo (MASP), entre outros, inclusive acervos pessoais de personalidades como o vice-presidente José de Alencar, o ex-presidente Itamar Franco e a apresentadora Hebe Camargos (todos in memorian), além do cartunista Ziraldo.

Inicialmente pintor, com trabalhos voltados para a linha do neoimpressionismo, Layon também se rendeu à escultura, na qual tem o neobarroco como principal estilo. O artista tem uma formação artística abrangente, tendo sido aluno de importantes mestres mundiais como Erna Antunes, formada pela Academia de Belas Artes de Viena, com quem estudou pintura. Como autodidata estudou história da arte, modelagem, xilogravura, aquarela e escultura.
O premiado artista tem uma coleção de honrarias conquistadas em Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e até em Portugal; além de ser membro de importantes organizações como a Fundação Nacional de Arte (FUNARTE).

Neobarroco

Entre suas principais influencias artistas na escultura sacara, Elias Layon cita o barroco e o rococó mineiro, além de enaltecer as obras de Aleijadinho. “A nossa maior referência brasileira vai de encontro às obras de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Já a maior referência mundial em se tratando de barroco é o escultor italiano Bernini. Porém cada estilo, em cada país, tem sua referência”, destaca.
De acordo com Layon, depois que Aleijadinho morreu, em 1814, o barroco brasileiro nunca ousou ser retomado. “Ficou, dessa forma, muito distante e quase que esquecido na sua maneira técnica”, conta.
Segundo o artista, havia um grupo em Mariana com o objetivo de resgatar os valores do barroco, seja na pintura e na escultura. “Assim, decidi, em 1997, ingressar nesse grupo e dar minha colaboração, ou seja, desenvolver esse trabalho de valorização e fortalecimento do estio”, complementa.
Ele explica que no início o grupo contava com apenas quatro artistas focados nessa meta, mas que, atualmente, o neobarroco, iniciado pelo grupo, já conta com a representação de mais de 100 artistas distribuídos em várias cidades do Brasil, com reconhecimento nacional e internacional. “O estilo se consolida a cada dia, mais intensamente graças ao empenho e perseverança de todos os envolvidos”, finaliza.

 
Anderson Augusto de Souza Pereira

Natural da cidade mineira de Miradouro, um artista de destaque em arte sacra a nível nacional e internacional é Anderson Augusto de Souza Pereira, orgulho de Minas Gerais. Nas suas atividades, sempre se dedicou à arte e cultura nas igrejas e nos movimentos sociais. Ele possui vasta experiência com pinturas de grandes proporções, como cenários, painéis e arte sacra em capelas e espaços de celebração em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná.
Para Anderson, a arte sacra é um conjunto de elementos e expressões artísticas que tem por objetivo criar um ambiente favorável de comunicação do ser humano com algo que está antes e além dele. “A arte sacra exprime a busca e, ao mesmo tempo, o encontro com o mistério, o qual cada religião compreende de forma diversa”, explica.
“No caso da pintura cristã, ela teve compreensões e funções diferentes na história da igreja e, durante muitos séculos, tinha uma função catequética. As imagens, em muitas igrejas medievais, eram representações de histórias bíblicas, o que favorecia a comunicação da mensagem num contexto em que a maioria das pessoas era analfabeta. Embora a pintura sacra tenha sempre sua função catequética, não tem o objetivo de ser uma ‘Bíblia Ilustrada’ nas paredes das Igrejas nos dias de hoje. O conceito de arte sacra muda de acordo com as mudanças e atualizações litúrgicas”, completa o artista.

Dessa forma, como arte sacra se reduz, muitas vezes, à imagem da cruz e morte sem expressar de forma mais forte e clara a vida e a ressurreição, segundo o artista, ele busca trabalhar suas artes nas igrejas sempre preocupando-se com a Teologia da Criação. “Ou seja, com o cuidado para com nossa Casa Comum, e na nossa vocação em sermos jardineiros e não donos e depredadores do mundo criado”, diz.
Ainda segundo Anderson, a arte sacra, nas suas várias expressões religiosas, representa a busca incessante da humanidade pelo sentido da vida e seus projetos de sociedade. “Com todo limite de ser uma obra humana e imperfeita a arte sacra é um serviço ao movimento litúrgico e espiritual que aproxima a humanidade do mistério que a transcende, que está escondido e que se revela ao mesmo tempo. Para os cristãos, se revela no Amor de Jesus de Nazaré”, revela.

 

Biografia

Entre seus principais trabalhos destaca-se a criação do símbolo para o III Encontro Mundial do Papa Francisco com os Movimentos Sociais, em Roma, em 2016. Dois anos depois, criou a Logomarca para o Encontro Internacional dos Povos, na Venezuela. Na Cidade de Deus (RJ), onde morou durante sete anos, foi um dos idealizadores da Casa de Cultura Cidade de Deus.
Ainda criança, Anderson descobriu seu talento para as artes plásticas, começando seus primeiros trabalhos como autodidata. Aos 15 anos, já havia publicado desenhos na coleção “Revista da Historiografia Muriaeense”, em Muriaé, onde iniciou seus estudos. Aos 17, tornou-se missionário do Sagrado Coração, onde cursou filosofia e teologia. Em 1983, iniciou um curso intensivo de desenho e pintura na Escola Panamericana de Artes de São Paulo, onde foi premiado pelo seu desempenho.


E graças a esse desempenho, ele chegou a residir na Itália por cerca de um ano, onde realizou trabalhos de arte e estudou a técnica de Afresco no Instituto Italiano de Arte Artigianato e Restauro de Roma. Lá também participou de grandes exposições na Itália, onde tem desenhos e pinturas, sobretudo na Associação Ca’Forneletti Impegno e Solidarietà, sob a responsabilidade de Giliana e Giuseppe Marchi.
Com um currículo tão vasto, o artista conta que sua base é a formação mais clássica. “Contudo, meu estilo varia um pouco de acordo com o objetivo da arte, com grande influência da arte sacra contemporânea e do espírito do muralismo crítico, engajado nas questões mais sociais e humanitárias”, conta.
Já com relação às suas primeiras inspirações, elas se deram a partir de grandes mestres da pintura, como os renascentistas e impressionistas que pode conhecer nos livros ne sua adolescência. “Depois, fui descobrindo artistas com os quais me identifiquei em vários momentos da minha trajetória, tais como os muralistas mexicanos, sobretudo Diego Rivera, Kandinsky, Picasso, Gustav Klimt. Dentre os brasileiros, destaco Frei Domingos Sávio, que me inseriu na pintura de grandes telas, Cândido Portinari, Tarsila do Amaral, e nos estilos da arte africana e indígena. Na arte Sacra, destaco El Greco e o grande artista de arte Sacra, brasileiro e atual, Cláudio Pastro, revela.
Com um vasto currículo e muitas obras com destaque nacional e internacional, elas podem ser vistas em diversos lugares, entre eles na Catedral de São Francisco Xavier, em Itaguaí (RJ); Santuário de Nossa Senhora do Sagrado Coração, Curitiba (PR); Irmãs Calvarianas, em São Paulo (SP), Capela do Projeto Crescer, em Contagem (MG); Capela do Centro Pastoral, em Igarapé (MG), dentre outras.
Recentemente o artista executou a Via Sacra para a Igreja de Santa Luzia, em Gardênia (RJ) e a Capela jesuíta Recanto Manresa, em Juiz de Fora (MG).
Na Itália, algumas obras se encontram na Associação Ca´Forneletti, Valeggio e na Casa Geral dos Missionários do Sagrado Coração, em Roma. Em Caracas, Venezuela, Anderson participa do Salão dos Heróis Latino-americanos com a obra “Zumbi dos Palmares”.

Vida religiosa e dedicação aos movimentos sociais

Com relação à sua escolha pelo caminho das artes sacra, Anderson salienta que sua vida foi muito marcada pela vida religiosa e pela busca do sentido da nossa existência. “Por isso, minha longa experiência de vida religiosa me permitiu mergulhar em espaços e experiências místicas muito interessantes, tanto em ambientes eclesiais como em movimentos que lutavam pela vida e me mostraram caminhos de uma espiritualidade profundamente encarnada na vida”, revela.
Assim, aos poucos ele percebeu que era preciso diminuir a distância entre o “sagrado” e “profano”, romper essa dicotomia entre matéria e espírito, entre mundo e espírito. “Tudo está interligado e a arte pode nos ajudar a integrar o ser humano com suas várias dimensões”, salienta.
Através da arte sacra propriamente dita e da arte ligada aos movimentos sociais que lutam por direitos, igualdade e dignidade, Anderson se deu conta de que elas são parte do mesmo sagrado e se tocam na sua essência que é a vida nas suas múltiplas expressões na Criação.
“A arte é curativa no sentido que une o que estava dilacerado pelas contradições sociais. A arte litúrgica e a arte sacra têm a missão de recriar espaços a partir da observação da própria natureza, de forma a ‘antecipar’ nosso sonho de um mundo fraterno, sem violências, maldades e exclusões”, finaliza o artista.

 

Museu de Congonhas

Inaugurado no início de 2017, o prédio que abriga o Museu de Congonhas foi projetado pelo arquiteto mineiro Gustavo Penna, vencedor do concurso nacional que escolheu o melhor projeto de desenho para o espaço que é aberto ao público. O museu, que tem uma rica exposição de artes sacras, trata-se de um edifício de traços contemporâneos, apesar de estar ao lado do santuário de Bom Jesus de Matosinhos, onde estão as famosas esculturas de “os doze profetas”, de Aleijadinho.

De acordo com o arquiteto, foi preciso trabalhar em um projeto harmônico e equilibrado para que o edifício pudesse valorizar o conjunto tombado e ainda assim configurar uma moldura forte e silenciosa. Ainda segundo o profissional, o projeto do Museu de Congonhas foi feito neste tempo para homenagear o valor do passado, assim, é possível evocar as dimensões do ambiente e o momento que ele se insere.
O Museu de Congonhas oferece informações históricas e é voltando tanto para quem busca turismo cultural, quanto religioso. Ele se localiza na Alameda Cidade de Matosinhos de Portugal, 77, ao lado do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos.

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