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Traços de uma personalidade

Edição 11 27/06/2014 PERSONALIDADES

Flávio de Lemos Carsalade conta sua trajetoria profissional desde dos primeiros rabiscos até às grandes construções, passando por todas as esferas da arquitetura

Por Natália Rosa
Fotos: Arquivo pessoal

ed11_personalidade_01.jpgParafraseando o poeta João Cabral de Melo Neto, o arquiteto é aquele que abre para o homem portas por onde, jamais portas-contra. Dando forma ao verso, Flávio de Lemos Carsalade não apenas cria como constrói futuro.

Natural de Belo Horizonte, com laços interioranos de Minas Gerais, Carsalade conta que já nasceu arquiteto. Fato que ninguém coloca em questão, já que se dedica desde criança aos desenhos e desempenha na atualidade a arquitetura com êxito.

Por meio do incentivo e do exemplo do avô, também arquiteto, Flávio atribui sua escolha à sua personalidade. “O estímulo do meu avô combinado com minha personalidade fez com que logo cedo me interessasse pela arte de criar. Desde muito cedo gostava de desenhar e logo me interessaram também as artes, a filosofia e a literatura. Já sabia que estudaria arquitetura desde o curso primário. Quando passei no vestibular, trabalhava como desenhista de publicidade e logo abandonei o trabalho para meus primeiros estágios, visto que o curso de Arquitetura e Urbanismo já me apaixonava”, lembra.

Legado de glórias

Durante a caminhada, Carsalade atuou em praticamente todas as áreas da profissão. Ele que sempre estudou em escolas públicas da capital mineira, dedicou sua vida profissional à arquitetura e urbanismo. No trajeto, o arquiteto investiu também na área acadêmica, como projetista e consultor. “Atuei desde o planejamento regional até o design de objetos, passando por projetos e obras. Exerci minhas atividades em órgãos públicos federais, estaduais e municipais, escritório particular, universidades, associações de classe e vários conselhos públicos e de instituições privadas. Tive a honra de exercer cargos públicos de direção, realizar inúmeros projetos e formar mais de 2.500 profissionais de arquitetura em trinta anos de magistério superior”, conta orgulhoso.

Atualmente, Flávio é professor e pesquisador da Escola de Arquitetura da UFMG, onde foi diretor até o ano de 2012. Ele já esteve à frente da Regional Pampulha e ocupou ainda a cadeira de presidente do IEPHA – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais. “Penso que os cargos que ocupei são momentos importantes de aprendizado e contribuição social, mas o mais importante é a labuta diária, o dia a dia da profissão, a história que se constrói a partir daí e as contribuições que fazemos ao longo do tempo e que às vezes nos assusta quando vemos quão longo é o caminho percorrido”, revela.

De aluno dedicado a mestre exepcional

Os títulos conquistados ao longo da carreira mostram que Flávio Carsalade sempre foi um adepto dos estudos e em consequência disso se especializou em diversos vieses da arquitetura. “A minha atuação profissional sempre foi ligada ao projeto e ao ensino/pesquisa. O foco sempre foi o projeto (da sua prática ao seu ensino), mas em torno dele, passei pelas áreas de meio ambiente, ecologia, patrimônio histórico cultural, pedagogia, teoria e tecnologia da arquitetura. Os vários conselhos que participei, as instituições que presidi e os cargos que ocupei complementaram esse leque de atuação”, conta Carsalade.

No entanto, o conhecimento não parou apenas em Flávio. Como professor, ele deixou para os seus alunos e, de certa forma, para a população mineira uma herança muito positiva. “Não sei qual foi a melhor herança que deixei, mas sei que lutei muito pelo avanço da profissão, pela boa formação de meus alunos e pela cidade de Belo Horizonte, estudando-a, defendendo-a e propondo muito para ela. Me dói quando vejo decisões apressadas e equivocadas sobre a cidade e que resultam em sua piora”.

Questionado sobre as dificuldades enfrentadas dentro da profissão, Carsalade foi enfático ao declarar que durante sua caminhada ele tentou mostrar o verdadeiro papel da arquitetura para a sociedade. “Eu diria que mostrar a importância da contribuição do arquiteto para a sociedade e para a cadeia produtiva ligada a ela foi a maior barreira enfrentada. A sociedade muitas vezes não compreende a importância do planejamento urbano ou de ter uma casa bem construída, ou ainda de ter um meio ambiente e um patrimônio preservados”.

De forma otimista, entretanto, ele acredita que está no sentido certo. “Claro que nesses trinta e cinco anos que atuo, essa consciência vem melhorando, mas ainda há um longo caminho a percorrer”.

Assim, Carsalade defende que ainda existe um desrespeito grande no Brasil em relação ao trabalho do arquiteto. “A qualidade do serviço aparece como algo supérfluo e o detalhamento de projetos como desnecessário, quando é ele que garante a qualidade e a transparência de custos e procedimentos. É muito comum se construir à revelia do que foi projetado, gerando perda de qualidade e aumento de custos (isto de grande interesse de alguns). Nos países mais desenvolvidos, os concursos públicos são frequentes e obras só são realizadas com um detalhamento completo, enquanto aqui essas coisas são desprezadas. A luta dos arquitetos por qualidade aqui é muitas vezes considerada empecilho a governantes imediatistas ou empresários preocupados antes com o lucro do que com a qualidade. Claro que há muitas exceções, mas infelizmente assistimos a isso muitas vezes nesse país. Alguns exemplos de vitória e de afirmação da importância da profissão que poderiam ser aqui citados são o “Estatuto das Cidades”, lei federal que, inaugurando o século XXI, recebeu muita contribuição da luta dos arquitetos por mais de quarenta anos e que garante hoje a gestão democrática das cidades ou, para citar outro exemplo, a inclusão de vilas, favelas e aglomerados ao tecido urbano em contraste com o modelo passado de sua “erradicação”, como se fora um mal a ser extirpado. Vários outros exemplos poderiam ser citados dessa luta por qualidade, mas gostaria de citar ainda outro, referente a incorporação de técnicas sustentáveis às novas construções, apontando para um mundo melhor e ambientalmente responsável”, acrescenta.

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Flávio Carsalade na cidade espanhola de Sevilha

A cara do mercado

Além de ser um profissional qualificado e muito dedicado, Carsalade é amante e admirador da arquitetura. Ele conta que teve a sorte de ter vários mestres e grandes profissionais como parceiros de trabalhos. “Eles me fizeram admirar cada vez mais a profissão e ver a grande contribuição que a arquitetura pode dar às sociedades e à vida humana”, explica.

Dessa forma, ele foi também grande incentivador para muitos outros alunos e apaixonados pelas obras. Há 35 anos, quando Flávio se graduou em arquitetura e urbanismo, as perspectivas eram, segundo ele, as piores possíveis. “Vivíamos num país estagnado e reprimido pela inflação e pela ditadura, a arquitetura havia perdido a importância que construíra nos anos cinquenta e sessenta”.

De lá pra cá, as coisas evoluíram consideravelmente. “Hoje, com o país em franco crescimento, as possibilidades profissionais melhoraram muito. O arquiteto urbanista vem recuperando sua importância social e, talvez o mais importante, deixando de atender apenas às elites, com forte presença nas áreas de habitação social, planos urbanos e patrimônio cultural, para citar apenas alguns exemplos”, reforça.

Modernização X Preservação

 O Brasil num âmbito geral tem um rico e vasto patrimônio histórico, artístico e natural. Minas Gerais está dentro desse perfil contribui para que turistas e visitantes sejam uma constante diante dos atrativos disponíveis. Dessa forma, o arquiteto ressalta que o Estado é o mais rico do país em termos de diversidade. “Minas Gerais tem uma diversidade cultural, histórica e geográfica riquíssima. Se ele conseguir mostrar essa riqueza e garantir que ela se expresse sem a homogeneização que torna iguais lugares diferentes certamente conquistará os turistas que nos interessam, ou seja, aqueles que vêm aqui para compartilhar nossos sabores e não para fazer turismo predador, “sexual” ou esnobe”, observa.

ed11_personalidade_03.jpg Centro Cultural de Belo Horizonte

Em linhas paralelas, numa era onde a modernização é alvo de muitos e a preservação ambiental de outros, há uma linha muito tênue entre os dois pontos. “Sabemos hoje que não há como desenvolver sem respeitar a preexistência, o meio ambiente e a memória. Infelizmente ainda há aqueles que colocam o ganho econômico acima de qualquer valor, mas esses não estão preocupados com algo que não eles próprios, trata-se de um modelo superado pela consciência global contemporânea, mas cuja superação ainda exige muita luta e muito esforço. Por outro lado, temos que entender que a vida é fluxo e movimento, não há como “congelar” o passado e este não pode ser um retrato distante, mas algo que só é palpável porque existe o presente: o passado tem seu vigor no presente. A grande questão não é a preservação intocada, mas como, respeitando a preexistência, podemos exercer o momento presente, legando para nossos filhos a riqueza construída pelos nossos antepassados e um mundo cada vez mais qualificado e equilibrado”, explica o arquiteto.

Copa do Mundo

O Brasil e o mundo estão na contagem regressiva para o maior evento do futebol mundial. E, claro, nem tudo são flores, ou melhor dizendo, nem tudo se resume a bola no pé e gritos de gol. A Copa do Mundo da Fifa está intimamente ligada ao turismo, ao patrimônio histórico cultural e às belezas naturais espalhadas pelas cidades brasileiras.

A ilustre presença, as imposições da Fifa, a pressa, os novos estádios e várias obras sem concursos públicos realizados antes visando interesses econômicos imediatistas do que a qualidade, acabaram retirando o brilho do Mundial, segundo o arquiteto. “A Fifa, com suas exigências, muitas vezes exclui a diversidade cultural e a cultura local em função de seus patrocinadores, como ocorreu no caso de Salvador, onde o acarajé não poderia ser vendido em um raio de 1 Km do estádio, medida felizmente revogada”.

No entanto, com um olhar otimista, pode-se perceber que várias obras de infraestrutura necessárias conquistaram motivação extra. Carsalade acredita que ter a atenção voltada aos estados brasileiros é fundamental. “Nossa riqueza cultural mineira tem muito a ganhar com isso. Cito o exemplo da Pampulha que, como candidata a Patrimônio Cultural da Humanidade, pode ter sua candidatura muito valorizada pelo evento”.

Entretanto, o cartão postal de Belo Horizonte ainda reserva uma dose de preocupação aos cofres públicos e aos amantes da cultura. Arrumar a casa para receber visita é de praxe e sem dúvidas parte de uma recepção. O povo mineiro conhecido e reconhecido pela receptividade pode se deparar com alguns transtornos diante da Pampulha. Carsalade explica que a Pampulha é um problema complexo, pois não se resolve apenas na lagoa, se estendendo por toda a bacia, a qual abriga lugares de grande vulnerabilidade social e ambiental. “Ela já está na agenda de Belo Horizonte e Contagem há muitos anos. BH realizou obras importantes na lagoa entre 2003 e 2008, depois se descuidou um pouco da necessária manutenção que os planos exigiam, ou seja, a retirada dos sedimentos que continuamente chegam à lagoa. Contagem desde 2006 vem melhorando muito a sua atitude e compromisso com a lagoa. Agora muito do que foi feito na década passada tem de ser refeito, mas parece que a Prefeitura de Belo Horizonte tem muitos planos para a lagoa, espero que se realizem. Se não houver vigilância e trabalhos constantes, a lagoa tende a se assorear e se acabar. Na agenda desse trabalho há uma ação localizada com obras de iniciativa dos governos, mas também ações difusas, de maior controle urbano e de consciência cidadã, tais como evitar bota-foras e esgotos clandestinos ou até mesmo evitar-se a disposição de lixo nos córregos contribuintes do lago”.

Ao ser questionado sobre os fatores prejudiciais a Copa do Mundo, Carsalade foi enfático ao dizer que qualquer manifestação ou qualquer “evento” sem foco no futebol podem ser prejudiciais. Porém, ele admite que a luta por benefícios para a população são aceitáveis e justificáveis. “Claro que violência, quebradeiras e distúrbios à ordem pública são prejudiciais, mas manifestações de cidadania e movimentos pró-melhorias sociais são, ao contrário do que a primeira vista possam parecer, exemplos de maturidade e de que o país está vivo e lutando para ser melhor, o que, a meu ver são sinais positivos para o mundo e que o Brasil, como país jovem e importante na escala mundial, deve, inclusive, sinalizar”, avalia.

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Carsalade na Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM)

Futuro

No mercado há bastante tempo, Flávio Carsalade poderia se definir como um profissional realizado e pronto, mas de acordo com a visão exigente típica de um grande mestre, ele acredita ter muito a aprender. “Paradoxalmente, me sinto cada vez menos realizado. Quanto mais se trabalha, estuda e luta, mais se percebe o tanto que ainda temos a saber e o tanto que ainda precisa ser melhorado. Penso que não há novidade no próximo passo, é o mesmo caminhar: melhorar a mim mesmo e buscar um mundo melhor. Às vezes a gente esmorece ou fica amargo, mas outras tantas se rejubila e é assim mesmo a vida”.

Para o futuro, Carsalade segue tranquilo e carrega em sua bagagem a missão que não pretende abrir mão: contribuir. “Não compartilho daquele grupo que pensa que as coisas só tendem a piorar. A construção democrática e a evolução social são assim mesmo, há retrocessos e avanços, mas penso que o saldo tem sido positivo. Temos tido grandes conquistas sociais, uma sociedade mais participativa e uma atenção maior ao meio ambiente. Penso que precisamos de mais justiça social e de uma espiritualidade maior. Como arquiteto e professor busco isso em meus projetos e em minha atuação social sempre que tenho a oportunidade de contribuir”, conclui.

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