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Saberes e Sabores

Edição 07 13/05/2013 PAULO PURAÑA

ed07_cozinha.jpgÉ ponto que a gastronomia (estudo das leis do estômago), apesar do significado científico da palavra, possui hoje um sentido muito mais amplo que se refere à arte de cozinhar e/ou saborear a comida. Podemos afirmar que a preocupação primeira da gastronomia é proporcionar o máximo de prazer a quem come, ao contrário do que acontecia antigamente, onde se comia apenas para matar a fome, não importando o paladar, a cocção e a combinação dos alimentos.

A gastronomia resulta, num significado simbólico, do ato de comer e cozinhar com outras pessoas. É um misto de fraternidade, companheirismo e solidariedade entre os homens. Nesse imaginário gastronômico, a refeição aparece ao mesmo tempo como forma de prestígio para quem é convidado e de generosidade de quem convida. A mesa marca o lugar primordial dessa sociabilidade. O encontro do corpo e da alma.

Para compreender a gastronomia moderna, o texto, aqui proposto, induz a construção de um parâmetro histórico cronológico, objetivando uma visão mais ampla sobre sua origem e desenvolvimento.

A mão foi o primeiro utensílio utilizado, auxiliado por pedras para cortar e triturar alimentos, e paus para mexer o fogo. O homem, ao fazer uso de sua habilidade filosófica e manual, cria todo o tipo de armas (arpões, lanças, redes de pesca, arcos e flechas, armadilhas) e muda sua alimentação, que antes era apenas de vegetais e frutas, para uma alimentação baseada na sua caça, passando então a comer carne.

Essa passagem da alimentação vegetariana para a carnívora traz sérias consequências na vida do homem. Ele começa a se organizar em grupos e com isso, reúne esforços para atrair suas presas em emboscadas, esfolá-las, esquartejá-las e depois, levá-las até uma árvore, caverna ou gruta, onde o grupo havia se fixado, para então, com os demais companheiros, devorar a presa. Viviam nesses locais enquanto houvesse frutas, raízes, legumes, peixes ou caça; mas quando a comida tornava-se escassa, os grupos saiam em busca de novo local que oferecesse mais alimento.

Com a dieta carnívora, o homem acostumou-se ao sal encontrado na carne e passa a depender dele. Quando a oferta da caça diminui, há uma redução no consumo de carne ingerida, fazendo com que haja uma procura de outra fonte de sal para compensar, e assim, começa a praticar o canibalismo.

Outro desafio é apresentado: como a população caçadora vinha crescendo, ocasionando a escassez de alimento, era preciso encontrar uma nova forma de sobrevivência. Começaram então a cultivar a terra, semeando e colhendo cevada, trigo, milho, batata, feijão, mandioca e arroz.

Nesse contexto, os grupos começam a viver em um local fixo e percebem que, para esses grãos se desenvolverem é imperativo que sejam vigiados, evitando a invasão de animais, pássaros e do próprio homem, mantendo-se em acampamentos. As presas capturadas são mantidas vivas por mais tempo, domesticando-se os animais e garantindo-se assim, um abastecimento mais prolongado de carne fresca. Da troca de experiências com outros povos e grupos vizinhos surge o comércio e as primeiras aldeias.

Seria uma incongruência não falarmos que, neste momento de troca de experiências, surgiu o primeiro tempero descoberto pelo homem, o fogo, pois o sabor de uma comida dependia da temperatura em que ela era consumida. Isto é arte culinária. Seria igualmente impróprio não relacionar o fogo à magia e ao sobrenatural, ao calor e à luz; pois ele aquecia os homens nas noites frias, mantinha as feras afastadas e logo seria usado para assar a caça ou a pesca. Desta forma, a carne deixa de ser consumida crua e passa a ser assada diretamente sobre as chamas ou nas brasas, presa por um espeto.

O fogo, não só vai mudar as habilidades culinárias, como fará surgir os utensílios de cerâmica e contribuir para a conservação dos alimentos. Se antes os alimentos se deterioravam no ar e no calor, perdendo sua pureza e propriedade nutritiva, agora passariam a ser torrados em brasas e pedras; e as carnes, aves e pescados, defumados por exposição ao calor do fogo.

Para entender o fogo, enquanto marco divisor crucial da arte culinária, nos reportamos à antiguidade clássica, no Reino de Carlos Magno, quando aos camponeses era proibido e condenável o uso de assados, sendo permitido somente a carne cozida. Os assados, grelhados diretamente sobre o fogo, era privilégio dos nobres. A explicação para isso era que o uso do fogo sem a mediação da água (que se usava para o cozido) dava à nobreza guerreira uma relação estreita com a vida selvagem, portanto, sinal de força.

E por falar nisso - sinal de força - que insurge o vilão, o intruso que embora tenha entrado na cozinha como legume, é uma fruta. Ignorado durante quase 200 anos, era utilizado como planta ornamental. Temia-se que fosse venenoso. De vilão, o até então desconhecido foi classificado como afrodisíaco. A crença nos efeitos afrodisíacos desta fruta rendeu-lhe um nome mais romântico na França, Pomo d’Amore (fruto do amor). Este tipo de fruta silvestre era chamado na Europa, no século XVI, de “maçã do amor”. O vilão, o intruso, foi levado para a Europa pelos conquistadores espanhóis, com as grandes navegações de Cristóvão Colombo, onde encontrou resistências chegando como veneno. A cada tentativa de experimentar seus talos e folhas, provocava intoxicações, o que aumentava a desconfiança sobre ele. Acredita-se que os Incas no Peru, e os Astecas no México, já o consumiam e com sumia, há 700 anos A.C. Os Incas e Astecas para proteger sua magia, a mandrágora, propagaram que a fruta, ao ser ingerida, poderia causar reações adversas: diarreia, cólicas, vômitos e teria propriedades abortivas. Originário da América do Sul, provavelmente da região dos Andes, já era apreciado pelas civilizações pré-colombianas. Suspeito de pertencer às feitiçarias chegou ao velho continente em 1523, sendo cultivado como uma planta ornamental de jardim. No entanto, a bela cor vermelha era uma tentação para os cozinheiros italianos que por volta do século XVII foram testando e experimentando, até chegar à incomparável união da massa e ele - o intruso – que foi convidado pelo pizzaiolo Raffaele Esposito, em 1889, para homenagear a rainha Margherita di Savóia, com as cores da bandeira da Itália: vermelha, branca e verde. Não resta mais dúvida!? Agora, caso a tenha, vá até a cozinha e peça uma macarronada feita com molho de frutas para o jantar. Eis o tomate! Muito prazer!

Capturadas as nuances histórica, entendemos que a cozinha é um espaço criador de relações sociais, travadas no cotidiano. Ela impõe-se como desafiadora: de boas conversas; encontros prazerosos de afeições, de enamorados; mesas, velas, vinhos, talheres, e outro conjunto de atos simbólicos e rituais, que nos grita saberes e sabores.

A cozinha nos dá a exata dimensão de quão bela e dura é a vida. Ali, temos momentos de errar no tempero, de que podemos até chorar, superar a impaciência, a ansiedade, a irritabilidade e, sobretudo, nos dá a oportunidade de, junto com os nossos convivas e anfitriões, condimentar os alimentos produzindo felicidade; aprender lições, corrigir rotas, superar fracassos e fazer das nossas vitórias, a sublime arte de cozinhar ideias.

(Um viva à minha “amiguinha” Lizandra Fogueira)


Paulo Purãna
Escritor e Professor de filosofia pós graduado em ciência da religião.
ppurana@bol.com.br

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