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Ruth Rosendo

Edição 12 14/11/2014 PERSONALIDADES

Ruth Rosendo Uma história pessoal que se confunde com a história do Brasil

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Com o aspecto frágil, de quem já sofreu muito na vida e agora só quer descanso, a senhora Ruth Rosendo agradece, emocionada, pelo interesse por sua história. Aos 86 anos, ela é o retrato da outra face de uma época. Tempo de aniversário pode ser bem mais que apenas tempo de festa. Pode e deve ser um momento oportuno de reflexão, de volta ao passado, de reavivar as lembranças e perceber como foi prazeroso o caminho percorrido, qualquer que tenha sido o ponto de partida e o ponto de chagada. A jornada centenária de Contagem, em algum momento, cruzou com a estrada percorrida por uma jovem senhora, Ruth Rosendo, há muito uma grande personagem destas plagas.

Ruth Rosendo foi membro do Partido Comunista Brasileiro entre o início da década de 40 e o final dos anos 60. Naquela época, o partido era proibido, seus membros eram sempre perseguidos e, em função da dedicação a ele, não podiam gozar de direitos básicos, como aposentadoria, plano de saúde e moradia. Além disso, havia o estigma de ser chamado de comunista. Receber tal pecha, equivalia a ser apontado na rua como “comedor de criancinhas”, “ateu” e até mesmo “perturbador da ordem”. As surras da polícia eram tão constantes quanto os sumiços de entes queridos.

Ruth conta que passou por isso tudo. No início da década de 40, seu marido, Jairo Mendes, também membro do partido comunista, fixara uma bandeira vermelha no alto da indústria onde trabalhava, a recém fundada CSN, símbolo do governo de Getúlio Vargas. Naquela época, ela tinha 16 anos e estava grávida de oito meses.

Ali começou sua militância. Em um ato desespera- do, Ruth e as esposas dos companheiros de Jairo foram ao Rio de Janeiro exigir a soltura de seus maridos. Ela relata que, naquele tempo, era muito pobre e a forma humilde como se vestia chamou a atenção da imprensa da capital. A foto em que ela aparecia protestando em frente à Câmara Municipal apareceu em todos os jornais da cidade e seus trajes paupérrimos chocaram as pessoas que a viram. Após a libertação de Jairo, Ruth voltou para casa e lá acabou constatando que havia perdido o filho.

O trabalho de Ruth e o fim do casamento

Como o trabalho no partido era arriscado e seus membros estavam sob a constante vigilância do serviço de inteligência do governo, Ruth Rosendo, naquela época, era Célia. O codinome a ajudava a não ser identificada facilmente e resguardava seus companheiros de militância. Os encontros entre comunistas eram sempre feitos de forma discreta e, geralmente, não duravam mais que o tempo que se levava para passar um papel de uma mão para outra. Um desses encontros ocorreu com Anita Prestes, filha de Olga Benário e do líder comunista Luís Carlos Prestes, que na época se refugiava no sítio onde Ruth vivia. O sigilo que marcava todas as ações comunistas acabou impedindo um contato mais forte entre as duas. “Ela era uma moça simpática, mas eu não conversei muito não”, lembra.

Dentro do PCB, Ruth Rosendo era uma espécie de coringa. Ela conta que seu trabalho mais comum era realizar comícios em portas de fábricas. “Eu ia sozinha e tinha que improvisar tudo que ia dizer ali na hora. Não tinha texto.” Em uma dessas missões, enquanto discursava e coletava assinaturas para um abaixo-assinado contra o envio de tropas para a Guerra da Coreia, Ruth foi presa pela primeira e última vez. Ao longo dos sete dias em que ficou presa, a comunista sofreu toda sorte de torturas psicológicas. “Ameaçavam-me o tempo todo... Diziam que iam matar a mim e a meu marido”, relatou. Ela só não foi presa outras vezes porque aliou seu tamanho pequeno a um certo faro para encrencas. “Como eu sou pequena, a qualquer sinal de confusão, me enfiava no meio da multidão e sumia (risos)”.

Com o passar dos anos, o casamento da comunista foi se degradando, em função de diversos motivos, envolvendo desde incompatibilidade de gênios até o próprio trabalho, que tornava impossível qualquer relação social. Após o desquite, Jairo ficou com a guarda do único filho do casal (nascido poucos anos após o caso da CSN), afastando-o de Ruth, que não pôde vê-lo crescer.

Juscelino e saída do PC

Embora comunista, Ruth confessa que seu maior orgulho foi ter apresentado o republicano Juscelino Kubistcheck em um comício. “Eu sempre gostei muito do JK. O maior orgulho que tenho em todos esses anos foi apresentá-lo junto com o Jango (João Goulart) naquele comício”. Na época, seu partido apoiava a candidatura de JK e João Goulart à presidência e vice-presidência da República, respectivamente. Eles eram vistos como alternativa ao conservadorismo que crescia após o suicídio de Getúlio Vargas.

Durante o governo JK Ruth conheceu seu segundo marido, José Mendes, com quem ficou até o final da década 70 e teve 6 filhos. Ela conta que a partir desse relacionamento, seu envolvimento com o partido comunista foi se tornando mais brando, pois não queria perder outra família em função do trabalho.

Em 1964, o então presidente João Goulart foi derrubado do poder pelos militares, que após o golpe, instauraram uma ditadura que perdurou no país por quase vinte e um anos. Ela revela que, pouco antes do golpe, Jango, que era seu amigo, lhe oferecera uma casa. Quando a correspondência com o cheque que pagaria o imóvel chegou, José, contudo, rejeitou a oferta, temeroso de que se tratasse de algum artifício do governo para prendê-los.

Essa paranoia marcou toda a vida de Ruth e foi gradualmente desaparecendo ao longo dos anos que se sucederam a 1964. Mesmo longe do partido, ela sempre temia ser presa ou até mesmo morta, como alguns de seus companheiros, que, segundo relatos bastante imprecisos, foram mortos ou simplesmente sumiram durante os anos de chumbo. Ela se lembra que “ficava com medo de polícia. Levou muito tempo pra superar. Hoje não tenho medo mas, antes, tinha muito”.

Vinda para Contagem e prisão de José

No início dos anos 70, Ruth mudou-se para Contagem para cuidar da mãe, que sofria de doenças crônicas e não podia mais ficar sozinha. Apesar do medo, ela conseguiu ter uma vida relativamente normal dali pra frente. Cuidando da mãe e ajudando o irmão, que também veio pra cá, acabou se tornando dona de casa e abandonou de vez a militância no PC.

Curiosamente, seu marido, que jamais fora pego enquanto trabalhava para o partido, acabou sendo preso após matar uma pessoa - em legítima defesa - durante uma briga no final da década de 1.970. “O mais engraçado é que ele nunca tinha sido pego mesmo trabalhando no partido comunista e aquela coisa toda”, revela sorrindo. Após a soltura de José, os dois se separaram e ele foi pra Bahia, dando poucas e raras notícias depois disso.

O legado de Ruth

ed12_ruth_rozendo_02.pngRuth acredita ter cumprido uma missão no Partido Comunista. Segundo ela, muitas conquistas para o povo foram obtidas graças ao “trabalho de formiga” de seus militantes. Exemplificando, ela recorda que “muitas vidas foram salvas naquele abaixo-assinado contra o envio de tropas para a Coreia. Foi um ganho para o Brasil”.

Contudo, apesar da satisfação pessoal, Ruth Rosendo perdeu a conta de quantas vezes o trabalho exaustivo a fez perder uma gravidez. Além disso, o convívio familiar foi praticamente destroçado pela falta de tempo. “Não pude ver meu primeiro filho crescer. Nem ele, nem meus netos. O trabalho nos separou e isso não dá pra recuperar”, constata.

As diversas aulas de tiro, realizadas em treinamentos de guerrilha, levaram Ruth à perda da audição. A entrevista à Revista Viva Grande BH só foi possível graças a dois aparelhos de audição, conseguidos após um pedido escrito a Fernando Henrique Cardoso, na época em que ainda era presidente do Brasil.

Os longos anos de dedicação ao PC foram remunerados da forma como o partido podia. Apesar de sempre garantir aos seus membros tudo que precisavam para viver, não podia lhes conceder alguns direitos, como a aposentadoria e o seguro desemprego, em função de ser clandestino. Por isso, Ruth hoje convive com dificuldades financeiras e sociais. “Acho que merecia um pouco mais em virtude de tudo que fiz. No entanto, nem a minha casa eu tenho. Se hoje eu aposentei, foi graças ao esforço de amigos e familiares que contribuíram por mim. Depois de tanto tempo de trabalho, não tenho nada”, lamenta.

Apesar de todo o sofrimento pelo qual passou, durante e depois da atuação no PC, Ruth Rosendo não se arrepende. “Fiz um trabalho bem feito e tenho orgulho disso. Se eu pudesse voltar no tempo, talvez não fizesse tudo aquilo, porque acabei perdendo minha família, mas não me arrependo. Eu tenho certeza de que prestei um bom serviço ao país”.

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