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O Cinema que Glauber não viu

Edição 12 14/11/2014 ARTE E CULTURA

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O Cinema que Glauber não viu

Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça.

Por Décius Diniz

Fotos: Reprodução Internet


Em algum momento dos anos 70 Glauber Rocha teria dito “Continuo fechado com minhas posições de um cinema terceiro-mundista. Um cinema independente do ponto de vista econômico e artístico, que não deixe a criatividade estética desaparecer em nome de uma objetividade comercial e de um imediatismo político”. O tempo passou e o país, que antes era de terceiro mundo, cresceu e hoje desponta como candidato a potência global. Na esteira desse progresso, o cinema também cresceu e hoje há filmes nacionais que superam em receita, público e qualidade muitas superproduções norte americanas.


Glauber, que morreu em 1981 não pôde testemunhar o mercado audiovisual brasileiro crescer e, além de gerar muito dinheiro, receber mais de 14 indicações ao Oscar em menos de 20 anos. Glauber também não viu cineastas daqui da terrinha, como Fernando Meireles e José Padilha dirigirem filmes milionários em Hollywood. O cineasta se foi sem poder imaginar que o nosso cinema, que é praticamente seu filho, cresceria e se tornaria o maior da América do Sul. Por outro lado, ele, que era um defensor ferrenho da independência artística, também não viu o mar de possibilidades que se descortina para a produção audiovisual hoje. “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça.”


O baiano Glauber Rocha, que nasceu em Vitória da Conquista em 1939, entrou para a história como um dos grandes nomes do Cinema Novo, corrente artística surgida em meados dos anos 60, que almejava a criação de um cinema brasileiro com temáticas mais realistas e voltadas para o social, menores custos de produção e maior independência em relação a Hollywood. Naquela época, o mercado cinematográfico brasileiro passava por um período de crise, com a falência dos estúdios de cinema paulistas, até então as grandes referências nacionais. Rocha teria dito a célebre frase “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça.” que exprime bem o ânimo daqueles artistas.


Mais de 4 décadas depois, o projeto de cinema brasileiro daqueles realizadores parece ter se efetivado e até ido, além disso. Se na década de 60, havia uma preocupação no sentido de se criar um cinema tipicamente brasileiro, hoje os esforços se dão no sentido de aumentar a força desses filmes que levaram mais de 7 milhões de pessoas às salas de exibição em 3 meses, conforme dados da Agência Nacional de Cinema, a Ancine, sobre o primeiro trimestre de 2014.


Barbara Barbosa, gestora logística, foi ao cinema para assistir ao filme Não Pare na Pista, uma biografia fílmica do escritor Paulo Coelho. Ela afirma que ver filmes nacionais é um programa frequente, pois em sua visão o cinema brasileiro é muito mais interessante que o estrangeiro. “Você se vê na realidade daquelas pessoas. Aquilo conta um pouco do seu dia a dia.” comentou. Barbara faz parte de um público que cresceu quase 16% entre 2009 e 2014. Para se ter uma ideia, mais de 35% dos espectadores de cinema no Brasil, assistem a títulos nacionais.


Esse crescimento afetou todo o mercado nacional e não apenas os grandes centros de produção como o Rio de Janeiro e a Globo Filmes. Hoje, quem deseja produzir um longa metragem no Brasil tem à disposição diversos meios de financiamento. Os mais conhecidos são as leis de incentivo à cultura, que concedem benefícios fiscais (isenção do imposto de renda, redução de impostos, etc.) a quem financia projetos culturais.


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Segundo dados da Ancine, entre 2001 e 2012, anualmente, foram investidos entre R$120 e 200 milhões no cinema nacional somente dessa forma. Em média, cada título utiliza em torno de R$5 milhões para ser produzido, um valor absurdo há 40 anos.


É o caso de O Menino no Espelho, adaptação do livro homônimo de Fernando Sabino realizada pelo diretor belo horizontino Guilherme Fiúza Zenha, cujo orçamento chega a mais de 4,5 milhões. O filme foi completamente rodado na capital mineira e traz ao espectador cenas e lugares típicos da cidade. Além da filmagem, a edição, e a sonoplastia, etc. privilegiaram o mercado local.


ed12_cinema_independente_03.pngFora do circuito, várias câmeras nas mãos e muitas ideias nas cabeças. Segundo o diretor de cinema e professor da universidade federal de MG (UFMG), Rafael Conde, hoje a maior parte da produção audiovisual brasileira não passa pelos grandes meios de distribuição. Ele se refere, sobretudo, aos curtas metragens e vídeos feitos para a internet. Os investimentos nesse tipo de produção são cada vez mais altos. Para se ter uma ideia, no ano passado, no edital lançado pelo Canal Brasil junto com a Prefeitura do Rio de Janeiro, estavam disponíveis 11, 5 milhões de reais apenas para a execução de curtas metragens.


Contudo, apesar de investimentos como esse, tais filmes ainda encontram dificuldades para serem realizados. A explicação envolve fatores como a burocracia do processo de editais ou até mesmo as condições impostas por eles, que muitas vezes podem limitar o trabalho do artista.


Um dos maiores canais de difusão desse tipo de producão são os festivais de cinema. Neles, é possível conhecer uma infinidade de novos filmes, entre longas e curtas. O Cine BH, o Cine Ouro Preto e a Mostra de Cinema de Tiradentes, que envolvem todo o mercado audiovisual, provavelmente são os mais conhecidos em Minas, mas há alguns outros que contemplam apenas curtas metragens e, geralmente, com características bem específicas, como o Festival de Minuto, que incentiva a produção de vídeos de até um minuto sobre algum tema.


Sara Não Tem Nome, natural de Contagem, é realizadora independente e soma participações em longas, como o Homem das Multidões de Cao Guimarães, e já produziu vários curtas metragens por conta própria, como O Atemporal, Ajude-me e Mosquito Squash, que participou do Festival de Minuto de 2012. Sara conta que “a maior dificuldade para fazer filmes, muitas vezes é a falta de orçamento para realizar o que quero”. Todavia, segundo ela, não ter e nem depender desse dinheiro tem o efeito positivo de dar maior independência criativa ao autor, uma vez que ele passa a não seguir as regras impostas pelos editais de financiamento público.


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Alguns artistas preferem trabalhar sempre com essa independência em relação aos financiadores. É o caso de Nelsinho Pombo, educador, músico e midialivrista de Contagem. Como midialivrista, ressalta que a expressão deve ser livre, sem restrições estéticas ou temáticas e que artes diversas, como a pichação, o cinema, o vídeo e o cartun podem ser apropriados em uma obra convergente (aquela que combina vários tipos de mídias diferentes). O audiovisual, nesta ótica, “pode ser realizado por qualquer pessoa, em qualquer lugar, sem interferência ou filtro, utilizando baixa tecnologia e pode ter um alcance imenso”, diz. Ele também acredita que as tecnologias podem potencializar a expressão. “Eu me aproprio das novas tecnologias pra produzir conteúdo em contraponto à mídia convencional. Com a convergência digital, novas formas de expressão, de estética e linguagens vêm sendo usadas e estão em constante evolução”, conta.


Os trabalhos realizados dessa forma, geralmente, são difundidos pela internet ou em festivais alternativos de cultura, como o Escambo, que desde 2007 acontece anualmente em Sabará e traz ao público, além de obras audiovisuais, música, teatro, artes plásticas e outras formas de expressão.


ed12_cinema_independente_05.pngRafael Conde observa que essa infinidade de novas possibilidades técnicas e estéticas é uma tendência. Novas tecnologias de mídia, como smartphones e câmeras digitais, mudaram a produção audiovisual. “Fazer filme é algo mais acessível a todo mundo” comenta. Segundo ele, os curtas-metragens, bem como os vídeos produzidos para a internet são muito mais numerosos que os longas disponíveis no mercado. “Hoje a maior parte da produção audiovisual passa longe dos grandes centros de distribuição” comenta.

 

Se Glauber, que morreu aos 41 anos de idade em 1981, iria gostar do que se vê no cenário audiovisual brasileiro hoje, é impossível saber. Contudo, o seu desejo de ver uma produção independente, madura e criativa provavelmente está sendo realizado.

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