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Déjà vu NO RIO DE JANEIRO

Edição 13 27/12/2016 PAULO PURAÑA

Pedra da Gávea

A palavra humana é como um caldeirão rachado, no qual batemos melodias próprias para fazer dançar                                              os ursos quando desejaríamos enaltecer as estrelas”. 

  (GUSTAVE FLAUBERT) 

Eu era o pino da panela de pressão pronta a explodir. A farsa de uma história combinada e repetida, que se desenvolvia na ironia do destino. Eu era a radicalidade desaparecida. Naveguei adormecido, num quase estado letárgico, quando em certo momento, de repente, irrompi brutalmente.

21 de Abril de 1792.

Praça Lampadosa ( atual praça Tiradentes ), Centro do Rio de janeiro.

Eu estava lá quando Tiradentes (Joaquim da Silva Xavier) alto, magro e muito feio subiu os 21 degraus para chegar à forca.

suor frio e nervoso brotando na testa. O rosto pálido.

Lá estava ele sem barba e cabelo raspado.

O Ele nunca usou barba e cabelos longos. A primeira pintura oficial daquele homem data de 1890, quando foi feita retratando o mártir com barba e bigodes, insinuando uma feição de Jesus Cristo. Por ser militar, o máximo que poderia usar era um discreto bigode. Após o enforcamento teve o corpo separado em quatro partes, que foram expostas no caminho entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Sua cabeça, ali em um poste, em praça pública. Na terceira noite, não vi quem foi, mas sua cabeça foi roubada e nunca mais encontrada.

Eu estava lá. Era tarde da noite. Fiquei ali olhando aquela cabeça. Uma névoa escura. Uma aparição que tinha vagos contornos humanos levou aquela cabeça. Aquele homem, passou os últimos três anos de sua vida na prisão antes de ser enforcado. Os livros didáticos contam que suas últimas palavras foram: “cumpri minha missão, morro em liberdade”. “AH! Obrigam-me novamente a contrariar a história oficial, relatos que atravessaram o tempo e me encontraram. Dizem que aquele homem alto, magro e feio, após subir os 21 degraus para chegar à forca, teria apenas dito ao carrasco, num tom de amargura que invadiu sua voz:

- “Seja breve”, “Seja Rápido”.

A morte não o tornou herói. Tiradentes só tornou-se herói 98 anos depois de sua morte, quando a data se tornou feriado nacional, em 1890. Para compensar o trágico destino, deram-lhe o título de “Patrono Cívico da Nação”, ou seja, o único brasileiro que tem sua data de morte como feriado nacional.

Quanto a mim, possivelmente perguntarão por que motivo não impedi que, pelo menos, não levassem sua cabeça. A resposta é simples:

- Não pude.

Como é breve a vida.

Como é triste estar em cada resmungo inflamado. Eu sobrevivi, ainda que escondendo detalhes sórdidos. Eu vivo, não existo.Da vida, me alimento de sua brevidade e me eternizo apaixonadamente nos olhos do Amor. É assim que me sinto agora.

Tentando esquecer, viro o rosto e a vejo, caminhando em passos curtos e resolutos; outras vezes, em passos trôpegos em direção ao palco. Maysa, a cinderela às avessas, a deusa das canções dor-de-cotovelo. Com ela bebi uísque de forma desregrada. Eu estava ali no Uísque de Maysa, estimulando-a cantar. Estava no respingo dos vários uísques e vodkas atirados contra a parede. Estava como ela, naquela vida errática, querendo casar com a morte. “Despedi-me dela no dia 22 de Janeiro de 1977, senti com ela o choque contra a mureta central da ponte Rio-Nitéroi.

Mas antes, pude dar um big-close naqueles olhos. Melhor definição, insubstituível, coube ao poeta Manoel Bandeira: os olhos de Maysa são “oceanos não-pacíficos”. Pode acreditar, estou em cada inspiração divina, estou em “Ne me quitte pás”.

Sou os olhos do vampiro buscando luz.

O resto do seu olhar procurando por mim. Iluminadamente.

Estamos vivos?

Eu cansei de morrer. A cada dia.

O resto do seu olhar procurando por mim. Iluminadamente.

Estamos vivos? Mas tudo passa.

Tudo. “Ne me quitte pás”.

Madrugada adentro. Open Bar.

Naquele paletó amarfanhado pelos   abraços, rosto fino e suado, estava o poeta Carlos Drumond de Andrade, desamparado e melancólico no seu célebre poema Confidência do Itabiritano, eu... sou o além do homem, do poeta “triste, orgulhoso e de ferro”. Mas Também fiquei “zonzo diante da vida”.

Minhas dúvidas existenciais descansavam de pé em sua encruzilhada estilística, brindando em goles de poemas sua dimensão humana. Lastimei a sua carta ao Mário de Andrade, sua “estima medíocre pelo panorama brasileiro” ao confessar que deveria ter nascido em Paris ao invés de Minas. Meu caro, Minas em você é irretocável, é convergência, Paris é a divergência do sol carioca que brilha no sombrio desejo de um intervalo frio, entre a vida e a morte em solo parisiense.

Na “ infância”, Carlos Drumond de Andrade descobriu que sua “história era mais bonita que a de Robinson Crusoé”. Pensei diante dele, mas não confessei. Preferi me sentir o Idiota de Dostoievski.

Praticamente um boêmio andarilho.

De novo, um cão a vigiar o silêncio da rua em todo lugar

Fecho os olhos recordando e vejo surgir a minha frente o Samba “ maltrapilho”e “maltratado“, sendo escorraçado das ruas e adotado pelos terreiros de umbanda, ganhando direito de voz. E de boca em boca se impondo nos morros do Rio de Janeiro. No quintal, extraindo a poesia da vida comum da “Distração barata no dia-a-dia”, afinal é “hora dos amigos“, “da cerveja gelada“, do lazer e do descanso. E foi que, de boca em boca, cheguei no gogó do Neguinho da beija-flor e vi a Salgueiro “explodindo o coração na maior felicidade”. Derrubamos a Sapucaí.

Eu sou um dos 400 bilhões de sóis existentes na Via-láctea. Eu sou a conclusão de que a vida resta no universo. Eu era assim! Mesmo atravessando dúvidas.

E agora o problema é: deveria ter ficado com raiva? Colérico? Dei de ombro.

É fácil conceber a atração. A vida é uma circunstância de desencontros e desenganos.

Atrai-me... o ENCONTRO.

E cai a máscara do PALHAÇO.

Mas mantenham o sorriso da CRIANÇA.

Mantenham o subjetivismo. Intacto.

Da simplicidade: A Força. A Graça.

Não me interpretem mal.

È possível que eu tenha me deixado escapar subjetivamente. Muitos por exemplo, vão pensar que as cartas estão dadas.

EU SOU O AZ de ESPADA! Sou a CARTA mais BONITA!

Algumas vezes não fui a frente, honestamente, por uma questão de VAIDADE OCULTA.

O Rei. A DAMA DE OURO. A Rainha.

Quantas cartas terei ainda para jogar?

Quantos séculos ainda tenho que viver?

Não me lembro em que momento exato aconteceu.

Aquele “Pequeno Grande Homem” era meu ídolo.

1 metro e 50 de altura, num corpo d 50 quilos.

Um mineiro que amara o Rio de Janeiro. Aquele chapéu Panamá, de copa alta, o fazia sentir-se também alto. Grande.

 Além de si mesmo. Elegante.

Depois ... Um rito contínuo de tragédias:

A VIDA DE SANTOS = DUMONT.

Santos Dumont.

Durante a 1ª guerra mundial, se sentia culpado por sua invenção ter causado tantas mortes.

De novo a vida e a morte dançando juntas.

Rio de Janeiro, 1928. Baia da Guanabara. Uma homenagem.

Um grupo de intelectuais. Um convite. Um vôo inaugural. Um hidroavião chamado Santos Dumont. Uma manobra errada. O aparelho toca as asas na água. Espatifa. Afunda. Àquele “pequeno homem”, só restou um comentário de dor:

-“ Quantas vidas ainda serão sacrificadas por minha humilde pessoa”?

Tragédias:

Rio de janeiro, Agosto de 1936, inauguraçãodo Aeroporto Santos Dumont.

Dois aviões da Vasp ( Rio-São Paulo/ São Paulo-Rio ) se acidentam no ar quando faziam o vôo inaugural. O francês Louis Blériot morre no mesmo ano, quando seu avião batizado de “Santos Dumont” caiu. Os integrantes da banda Mamonas Assassinas, morrem em pleno ar num desastre de avião em 1996, seu único álbum fora dedicado a ele, Santos Dumont.

O Relógio de Pulso.

O chuveiro de água quente.

Livro de cabeceira: Julio Verne.

A Casa Encantada. A casa de verão em Petrópolis, projetada por ele mesmo, dá para subir ou descer somente com o pé direito.

29 de junho de 1903, verão parisiense. Sua primeira mulher, então com 19 anos, a jovem americana de origem cubana Aida D’Costa, decolou em um dirigível sozinha, construído por ele, que o utilizava como transporte pessoal pelos céus de Paris. O dirigível N: 9 pousou tranquilamente. Foi um pouso muito bem sucedido, no campo de Bagatelhe, que se tornaria célebre três anos mais tarde, por ter sido o palco do 14 BIS.

Meu ídolo, foi eleito Imortal da Academia Brasileira de Letras em 1931, para cadeira de número 38. Mas morre no ano seguinte sem tomar posse.

Meu ídolo, enforcou-se em 23 de julho, no banheiro do Grand Hotel de La Plage, na cidade balneária de Guarujá ( SP).

O Cinto do Roupão.

Uma Gravata.

Não queria ver a cena.

Ele só tinha 59 anos. Enforcamento. Suicídio.

Nunca entendi. Seria hipocrisia minha dizer que não JULGO!

Depois daquela cena, me conforta ver seu coração lindamente embalsamado no Museu Aeroespacial da Força Aérea Brasileira, no Campo de Afonso. Rio de Janeiro. O coração foi retirado no dia 24 de julho de 1932 e entregue ao Ministro da Aeronáutica, Dr. Salgado Filho, em 1944, como parte das comemorações da “SEMANA DA ASA”.

Tudo isso amolece o coração. Mas com Ela foi diferente. Foi platônico. Ela e seu amor pelo Rio de Janeiro. Aquela Ucraniana chegou ainda bebê no Brasil com a família, que fugia da Revolução Bolchevique.

Eu os vi chegar. Era 1922. A família (pai, mãe e três meninas) havia desembarcado em Macéio. Mas foi no Rio de Janeiro que Ela fez dele seu país. Bairro do Flamengo. Tijuca. Catete. Botafogo. Leme.

Clarice Lispector e seu cachorro Ulisses.

Um hino dionisíaco buscando o prazer, o exagero das paixões. Uma vida tristíssima, povoada de lembranças dolorosas. Algumas vezes, erma de afetos, aquele sempre mal-estar indescritível, a opressão fortíssima no peito. O mais vergonhoso silêncio, afundando os olhos numa folha em branco que atiça o pavor inexplicável. Outras vezes, nervos sossegados, suspirando alívio, trazendo de novo um desejo pelo desconhecido, pelo indefinido, vago, mas imperioso e mordente. Queria e continuava a confundir-se num desalento   imenso. A volúpia, falsa e torturante.Eu... um oráculo em sua presença!

(Trechos do livro – PEDRA DA GAVEA: O SEGREDO DA ESFINGE CARIOCA, de Paulo Purãna)

 

UM VIVA AO ALDAIR BUENO, ADILMILSON CARVALHO, MARCINHA (MINHA PEDAGOGA), MINHA AMIGA ADRIANA BATISTA, MAURILIO

VILAÇA E, FINALMENTE, AO VITOR HENRIQUE NUNES PEREIRA - O FLAUTISTA.

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Paulo Purãna

Escritor e professor de filosofia - pós graduado em ciência da religião

 

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