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Página PrincipalA Revista Cadernos ARTE E CULTURA A arte de Acácio Videira

A arte de Acácio Videira

Edição 05 14/09/2012 ARTE E CULTURA

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Máscara africana

Família de Acácio Videira sonha com a venda do acervo completo do artista português

Mais de duas mil fotografias, máscaras africanas e peças esculpidas em marfim se destacam na coleção

“Esta obra é histórica, cultural, artística, etnográfica, atípica, acadêmica, pioneira e exclusiva”. Estas são as palavras de José Manuel Primo Videira para definir a obra completa de seu pai, o artista português Acácio Videira (1918-2008), que também era conhecido como museólogo, fotógrafo, escultor, professor e tantas outras nomenclaturas que recebeu em toda sua vida e após o seu falecimento. A reportagem da Revista Viva Grande BH teve acesso, com exclusividade, ao acervo Acácio Videira, cuidadosamente administrado pelo engenheiro Manuel Videira, hoje com 66 anos.

O acervo é composto por centenas de objetos, entre peças africanas, que incluem máscaras, pentes, esculturas, cachimbos, facas, instrumentos musicais e peças produzidas pelo próprio Acácio, como esculturas em marfim, guaches, aquarelas, cerca de duas mil fotografias e ilustrações. “Certa vez meu pai recebeu a visita de uma pessoa que prometeu transformar a obra em um museu. Muito esperta, minha mãe ouviu a conversa e percebeu que o contrato era ruim, com cláusulas que faria meu pai refém deles, não podendo nem realizar exposições. Este senhor procurou meu pai novamente, onde ele dava aulas. Meu pai prontamente respondeu que deveria primeiro consultar sua esposa”, relembra a situação engraçada.

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Pintura a guache

Responsável pelo armazenamento e administração da obra, que não está disponível para visitação pública, Manuel Videira sonha em comercializar o acervo, mas com uma condição, que o mesmo seja transformado em um museu de arte africana. “Nós queremos vender a obra, e que ela esteja em um museu, e para isso, eu escolhi Minas Gerais. Quando acabar o minério de Minas, viveremos de turismo. Temos que ter um museu diferenciado para abrigar a obra. Eu quero que as pessoas saiam impactadas do museu, mas não podemos esquecer a escravidão do povo africano”, comenta Manuel.

De acordo com o filho de Acácio, foi enviado um memorando para o governador Antônio Anastasia, produzido por um jornalista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “As pessoas falam que o governador Anastasia gosta de cultura, mas nunca obtive resposta. Eu procurei a Revista Veja, através da sucursal Belo Horizonte. O repórter ficou entusiasmado, queria fazer uma matéria, foi a São Paulo, conversou com o diretor e disseram que não era o foco da publicação. As pessoas não valorizam a cultura, mas pagam valores altíssimos para ver briga no UFC”, comenta indignado. Manuel Videira diz que sonha em ver a obra administrada pelo grupo do homem mais rico do Brasil, o bilionário Eike Batista. “Desejo que o museu seja o local mais africano fora da África”, vislumbra.

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Instrumento musical / Objeto do dia a dia / Máscara africana

Paixão pela África

Acácio Videira morou em Angola durante quase 30 anos. “Meu pai se apaixonou pela cultura e pelo povo africano. Ainda jovem, no exército, ele confeccionava cartões postais artesanais para os homens enviarem a suas famílias”, conta. A procura de um emprego, Acácio Videira escreveu uma carta para a Diamang (Companhia de Diamantes da Angola), que detinha o monopólio da exploração no país, mas ele não havia escrito o seu endereço. “Descobriram meu pai porque alguém ouviu no rádio o nome dele, e a carta apresentava o carimbo da cidade onde ele estava”, conta Manuel.

O jovem Acácio ingressou na empresa e foi trabalhar no museu de antropologia da Diamang.“Estamos prestigiando esta obra porque um dos diretores da empresa começou a explorar as matas no entorno da mineração, tendo contato com os povos das aldeias. Meu pai contava que ele dizia que a atividade comercial da empresa era exploração de diamantes e em segundo lugar ele queria construir um dos maiores museus do mundo, salvando a cultura do povo local. Se ele não tivesse tomado esta atitude, esta cultura seria desconhecida”, comenta Manuel Videira, se referindo especificamente ao povo Lunda Kioko.

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O artista fotografou o cotidiano do povo Lunda Kioko, seus rituais e a circuncisão, comum entre eles. “Meu pai trabalhou no museu ao lado de José Redinha, um dos maiores etnólogos do mundo. O doutor José Redinha, que tinha vários livros, observou alguns rascunhos de desenhos do meu pai e encantado com o que viu, o convidou para ser o braço direito dele, ficando responsável por ilustrar seus livros e por captar novas peças para o museu”, conta orgulhoso Manuel. Ao chegar em casa, Acácio Videira reproduzia tudo o que via e o despertava a atenção, seja pintando em aquarela ou esculpindo em madeira e marfim.

Manuel conta que certa vez seu pai recebeu a visita de um correspondente de uma das maiores revistas da época. “Na ocasião, meu pai convidou o senhor para um café e entre um gole e outro a pessoa se admirou com umas pinturas que estavam expostas. O senhor então disse para meu pai produzir 30 quadros seguindo o mesmo estilo e ele disse que garantia que meu pai não precisava mais trabalhar na vida e que ficaria milionário. O visitante prometeu mostrar o trabalho para seu editor, dizendo que o nome dele seria conhecido mundialmente. Meu pai não acreditou. Passados alguns anos meu pai se lembrou da história e produziu 33 quadros, com algumas alterações técnicas”, conta o fato inusitado, que poderia ter realmente acontecido.

História retratada no cinema

Em 2008 aconteceu a estreia de “Acácio”, filme que narra a trajetória do artista ao lado da esposa Maria da Conceição Videira. O longa-metragem de 88 minutos teve a direção de Marília Rocha e contou com imagens de arquivo do próprio Acácio Videira. “Foram cerca de 70 horas gravadas para a finalização do filme. A equipe também esteve em Angola, no Museu do Lundo e localizaram o Personalidade Pintura a guache Muatximbau, um garoto que trabalhou com meu pai e ele ensinou a fotografar, filmar, fazer esculturas e até a dirigir. No filme ele aparece com 70 anos de idade perguntando sobre meu pai. Eu desejo um dia visitá-lo, ver se ainda está vivo e convidar seus descendentes para morar no Brasil e trabalhar no museu que sonho em ver construído com as obras do meu pai”.

Esposa, mãe, apoiadora e “braço direito”

Esbanjando saúde, inteligência, lucidez e rapidez na fala, a viúva de Acácio Videira, a portuguesa Maria da Conceição Videira, hoje com 87 anos, também sonha em ver a obra bem encaminhada. “O Brasil não gosta de cultura. Quem tem dinheiro não compra, querem enviar para o exterior e colocar nos bancos como investimento”, comenta dona Conceição, que está escrevendo um livro com suas lembranças, que tem até nome definido, “Memórias de uma octogenária”.

“Eu já poderia ter acabado, mas há quatro meses o computador está sem funcionar. Meu marido não quis aprender o computador, ele era um artista”, justifica. A afinidade com o computador é tamanha que Conceição ainda escreveu um pequeno dicionário com a escrita original e a tradução de palavras e expressões de origem africana. Desde o final da década de 80, Conceição Videira reside em Contagem, no bairro Alvorada.

Conceição relembra com uma riqueza de detalhes fatos que marcaram a carreira do marido. Natural de Carrazedo de Montenegro (Portugal), perdeu seus pais muito jovem, aprendendo a se cuidar desde cedo. Quando nasceu, sua mãe estava cega e seu pai, relembra, era “um grande artista”. Com Acácio Videira, Conceição teve dois filhos, Maria Manoela e José Manuel Primo Videira. Em sua residência ela guarda apenas fotos, lembranças e um belo busto de bronze de seu rosto, feito por Acácio em sua homenagem.

Em Angola, já morando com o marido, foi professora e diretora de escola. “Meu currículo era muito bom e aqui no Brasil não consegui exercer as mesmas funções. Cheguei a ouvir que meu sotaque poderia atrapalhar os alunos. Recebo muito pouco de aposentadoria, o que não dá nem um salário mínimo”, revela.

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Querido professor Acácio

Conceição Videira também relembrou um momento de dificuldade vivido em Contagem, quando a artista Acácio Videira lutou para conseguir um espaço para trabalhar. “Conseguiram uma forma correta para pagar meu marido, mas não arrumavam um local para ele dar aulas. Depois de muita insistência, de andar muito e ser recebido por várias pessoas, encaminharam ele para dar aulas no Instituto Educacional da Criança e Adolescente de Contagem (Inecac). Muitos alunos se destacaram e hoje estão nas belas artes”, conta orgulhosa o resultado obtido.

Isa de Oliveira, poetisa, artista plástica e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental pela Fundação João Pinheiro, foi aluna de Acácio Videira em Contagem, no ano de 1998, onde aprendeu desenho artístico e pintura. “O senhor Acácio era exigente, impunha disciplina e concentração para que a arte fluísse no espaço. Foram muitos conselhos e ensinamentos de mestre e artista plástico, profundo conhecedor da cultura afro”. Segundo a artista, foram inúmeras histórias e lendas contadas por ele durante as aulas.

 “Eram verdadeiros ensinamentos que enriqueciam a nossa cultura e faziam nossos olhos brilharem de curiosidade. As lendas das máscaras de tribos africanas, e algumas delas que ele levava para nos mostrar, chegavam a assustar”, finaliza Isa de Oliveira, que disse que o legado de Acácio Videira será eterno na vida de quem o teve como mestre.

Esculturas de madeira


Por Fabius Alvim
Fotos: Rafael Carrieri

 

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